sábado, 25 de junho de 2011

Pausa


Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
__ Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma  máscara escura.
__ Todos os domingos tu sais cedo – observou a mulher com azedume na voz.
__ Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
__ Por que não vens almoçar?
__ Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu:
__ Volto de noite.
As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé.
__ Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
__ Estou com pressa, seu Raul! – atalhou Samuel.
__ Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. – Estendeu a chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade:
__ Aqui, meu bem! – uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um  despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e fechou os olhos.
Dormir.
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a mover-se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos.
Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.
Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
__ Já vai, seu Isidoro?
__ Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.
__ Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente.
__ Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía.
__ O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo. Samuel saiu.
Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.

SCLIAR, Moacyr. In: BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1997.




O dia seguinte


Se há alguma coisa importante neste mundo, dizia o marido, é uma empregada de confiança. A mulher concordava, satisfeita: realmente, a empregada deles era de confiança absoluta. Até as compras fazia, tudo direitinho. Tão de confiança que eles não hesitavam em deixar-lhe a casa, quando viajavam.
Uma vez resolveram passar o fim de semana na praia. Como de costume a empregada ficaria. Nunca saía nos fins de semana, a moça. Empregada perfeita.
Foram. Quando já estavam quase chegando à orla marítima, ele se deu conta: tinham esquecido a chave da casa da praia. Não havia outro remédio. Tinham de voltar. Voltaram.
Quando abriram a porta do apartamento, quase desmaiaram: o living estava cheio de gente, todo mundo dançando no meio de uma algazarra infernal. Quando ele conseguiu se recuperar da estupefação procurou a empregada:
— Mas que é isso, Elcina? Enlouqueceu?
Aí um simpático mulato interveio: que é isso, meu patrão, a moça não enlouqueceu coisa nenhuma, estamos apenas nos divertindo, o senhor não quer dançar também? Isso mesmo, gritava o pessoal, dancem com a gente.
O marido e a mulher hesitaram um pouco; depois — por que não, afinal a gente tem de experimentar de tudo na vida —aderiram à festa. Dançaram, beberam, riram. Ao final da noite concordavam com o mulato: nunca tinham se divertido tanto.
No dia seguinte despediram a empregada.

SCLIAR, Moacyr. Histórias para (quase) todos os gostos. Porto Alegre: L&PM, 1998.

A VELHA CONTRABANDISTA



Stanislaw Ponte Preta, in Para gostar de ler, editora Ática.

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal perguntou assim para ela:
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco ?
A velhinha sorriu como os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que adquirira no odontólogo, e respondeu:
- É areia !!!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai !! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um me seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia. Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tia da cabeça que a senhora é contrabandista.
- Mas no saco só tem areia ! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias ?
- O senhor promete que não “espáia” ? – quis saber a velhinha.
- Juro – respondeu o fiscal.
- É a lambreta!

O assalto perfeito


Parecia um plano perfeito.
     Parecia não. Era um plano perfeito
     Assim pensavam os três reunidos em volta da mesa enquanto fumavam e traçavam a estratégia daquele plano mirabolante.
     Bolão foi quem teve a idéia.
     De tanto ver filmes policiais na TV. Bolão teve a idéia de realizar o assalto perfeito.
     Um assalto que ninguém poderia descobrir quem o realizou.
     O alvo escolhido foi a agência do banco da pequena cidade onde ele morava.
     Bolão, Paulo e Braz estavam discutindo os detalhes do assalto. A sala onde eles estavam era pouco iluminada, o ar estava carregado de fumaça dos cigarros fumados por eles, por todo lado se viam tocos de cigarros ainda acesos espalhados pelo chão de cimento. Em cima da velha mesa, forrada com uma imunda toalha de flores que quase não se viam mais, tinha uma garrafa de cana quase vazia.
     A casa, ou melhor, o barraco estava caindo aos pedaços.
     Depois de algumas horas, todos os detalhes do plano já estavam discutidos, aprovados ou reprovados.
     Ficou decidido que Bolão, já que era o autor intelectual do plano, iria conseguir as armas. Paulo, que era motorista de ônibus, ficaria encarregado de dirigir o carro na hora da fuga, carro esse que seria trocado por outro fora da cidade. Braz ficou com a responsabilidade de conseguir as máscaras. Iria comprar toucas para a fabricação das máscaras e luvas para não deixar impressões digitais.
     - E o dinheiro, onde nós iremos escondê-lo?
     - Depois da troca de carro, agente deixa o Paulo, que é o único que mora fora da cidade, com o dinheiro. Ele vai esperar alguns dias, então fará várias viagens a outras cidades onde abrirá pequenas contas em cada banco, assim, aos poucos, ele depositará todo o dinheiro. Quando a coisa esfriar e já tiver quase no esquecimento, ele vai tirar o dinheiro e então agente divide conforme o combinado.
     - Certo. Quarenta por cento pra você, trina pra mim e trinta pro Paulo.
     - É isso aí, afinal a idéia foi minha.
     - Tudo bem.
     Combinaram que o assalto seria realizado dali a quinze dias, ou seja, numa quarta-feira, dia do início do pagamento dos aposentados, e que seria feito na parte da manhã, assim que o banco abrisse suas portas, pois haveria menos gente dentro do banco.
     No outro dia Bolão viajou para comprar as armas. Encontrou-se com Zeca, ladrão velho já aposentado, que lhe conseguiu três revólveres em troca de cinco por cento da parte de Bolão.
     Braz foi à cidade vizinha onde comprou toucas e luvas pretas.
     Paulo conseguiu um velho Gol para ser usado como segundo carro de fuga.
     Ficaram os restantes dos dias repassando algumas partes do plano. Decidiram que no dia do assalto eles não deveriam ser em vistos juntos, e que depois do assalto cada um voltaria para suas casas, já que não haveria suspeitas sobre eles.
     O dia do assalto chegou.
     O carro, roubado por Paulo de um estacionamento próximo a garagem de ônibus que ele trabalhava, era um Fiat vermelho.
     Paulo parou o carro em frente ao velho barraco, e de dentro dele saíram Bolão e Braz. Eles tinham combinado de última hora que sairiam juntos do velho barraco.
     No trajeto para o banco Braz parecia ser o mais nervoso, fumava um cigarro atrás do outro.
     Quando se aproximaram do banco as máscaras foram colocadas. A de Bolão era muito apertada e teve de ser cortado o fundo, o que deixou o topo da cabeça dele aparecendo.
     O carro parou em frente ao banco e os três mascarados desceram com os revólveres apontados para o único guarda do banco, que foi obrigado a se deitar de bruços no chão, já sem a arma que trazia no coldre.
     Os funcionários do banco ergueram logo os braços para evitarem serem atingidos por algum disparo. Nenhum estava disposto a levar um tiro defendendo o dinheiro dos outros. Os poucos clientes que se encontravam no banco, em sua maioria idosos que tinham vindo receber as suas aposentadorias, foram colocados de joelhos e com as mãos na cabeça. Os caixas não tentaram esboçar nenhuma resistência e entregaram todo o dinheiro a Paulo, que ia colocando tudo dentro de um saco plástico preto, desses usados para colocar lixo. O gerente, acossado por Bolão que havia encostado a arma na sua cabeça, abriu o caixa-forte e entregou todo o dinheiro graúdo. Tudo isso enquanto Braz mantinha tos quietos sob a mira do seu revólver.
     Dois minutos e meio depois todos entraram no carro, que havia ficado ligado em frente ao banco, e sumiram.
     Quase uma hora depois, já fora da cidade, o carro usado no assalto foi trocado pelo Gol, como tinha sido combinado.
     Á noite Bolão foi preso quando voltava de táxi pra casa.
     Menos de doze horas depois do assalto perfeito, Bolão foi levado algemado para a delegacia onde foi interrogado pelo delegado.
     - Muito bem, já sabemos que você participou do assalto ao banco. Queremos saber agora onde está escondido o dinheiro e que eram os seu comparsas.
      Bolão estava totalmente desconcertado. Onde estava o erro? Tudo tinha corrido exatamente como fora planejado. Tudo igualzinho aos filmes na televisão. Por mais que se esforçasse não descobria onde eles tinham errado.
     - Vamos Bolão, você já está numa fria mesmo, diga onde está o dinheiro e que eram
 os seus companheiros.
     Bolão contou tudo para não se complicar mais.
     Braz foi preso quando bebia com uns amigos em um bar.
     Paulo recebeu voz de prisão quando deixava o ônibus que dirigia na garagem.
     Ante de serem levados para a penitenciária, Bolão quis saber como a policia tinha descoberto tudo tão rápido.
     - Simples - disse o delegado, - o gerente do banco contou que um dos assaltantes era muito gordo, e que, além disso, era careca e tinha dois dentes de ouro.
     Ouvindo isso, Bolão baixou a cabeça e começou a chorar.
     Não era à toa que o seu apelido era Bolão. O homem mais gordo da cidade, que também era careca e tinha dois dentes de ouro na boca.


                                                                                              João Pessoa, 25/06/2007

Sinais Discutindo


Os Sinais de Pontuação viviam discutindo, porque cada um queria ser mais importante que o outro. Certo dia resolveram fazer um “FESTIVAL DE... PONTUAÇÃO”  para ver quem seria o vencedor. Cada sinal foi se apresentando e falando sobre sua função na frase. Veja como foi o festival e qual foi o seu resultado...
Parênteses
Somos os Parênteses. Servimos para separar palavras ou expressões na frase, para chamar a atenção ou dar uma explicação.
Ponto e Vírgula
Nós formamos um casal simpático. Somos o Ponto e Vírgula. Indicamos uma pausa maior que a Dona Vírgula.
Ponto de Exclamação
OH! AH! VIVA! BRAVO! Que público maravilhoso! Senhoras e senhores sou o Ponto de Exclamação. Gosto de admirar tudo. Mas sirvo também para indicar medo, espanto, surpresa.
Vírgula
Eu sou a Vírgula. Minha função é indicar uma pequena pausa na leitura, ou separar palavras, frases e expressões.
Aspas
Somos as Aspas. Servimos para indicar citações ou para chamar a atenção sobre uma palavra ou expressão.
Ponto de Interrogação
Como vão? Tudo bem? Sou o Ponto de Interrogação. Sirvo para fazer perguntas.
Reticências
Somos três irmãs. Indicamos dúvida, incerteza ou suspensão do pensamento. Somos as Reticências...
Ponto e Vírgula
Eu sou o Ponto e Vírgula. Minha função é indicar uma pausa maior que uma vírgula e menor que um ponto, sou muito usado para delimitar com mais clareza frases extensas que contêm muitas vírgulas.
Dois Pontos
Somos gêmeos. Somos os: Dois Pontos. Indicamos uma pausa maior que a do Ponto e Vírgula. Somos empregados também antes de uma citação ou enumeração.
Travessão
Sou o Travessão. Sirvo para indicar o diálogo entre as pessoas e destacar uma palavra ou expressão.
Resultado final do Festival
O júri apresentou o resultado. Todos os sinais de pontuação foram considerados importantes na frase, dando portanto, empate geral. Cada um ficou contente da sua importância, todos juntos foram festejar.

Autor desconhecido